junho 13, 2010

Sofisma

Ora, e lá estava ela, olhando para aquele rapaz fixamente, porém com pensamentos confusos e sentimentos perdidos. Era uma massa de tanta coisa que ela mal sabia o que estava sentindo. Não havia dor, não havia alívio, não havia trégua, só havia vazio. Vazio, sem sombras, sem tudo, apenas vazio. Às vezes tinha a impressão de que seus sentimentos eram manipulados por ela mesma. Se queria sentir amor, sentia, se queria sentir ódio, sentia, se queria sentir nojo, sentia, se queria sentir vontade de rir sentia. Seria o cérebro capaz de controlar os sentimentos, sempre vistos como algo paralelo à racionalidade? Ou na verdade ela é que não possuía sentimentos?
Aquele vazio era tão incômodo e ao mesmo tempo tão reconfortante. Como se tudo fosse manipulado apenas por vontade de sair da rotina, de saber como é sentir. E na verdade ninguém sente, ninguém sofre? É tudo por vontade própria? Aquilo era tão louco...
Ela o olhava ainda fixamente, e de seus olhos úmidos brotaram lágrimas, deslizando pelo seu rosto alvo e frio. Caiu de joelhos, fraca, indefesa. Ele a observou cair e nada fez. Pouco depois, deu meia volta e partiu, deixando a menina vazia, vagando em seus pensamentos, ali, deitada, independente, apenas precisando domar sua dor, dor essa que ela mesma havia criado e fugira de seu controle.

Fernando Pessoa

"Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."