maio 28, 2008

Meu Monstro

Estava feliz, estava com alguém que a amava e acima de tudo respeitava. Era verdade que se sentia nas nuvens ao ouvir sua voz, ao ficar junto dele, ao beijá-lo... Então por que diabos naquele dia teve aqueles pensamentos outra vez? Precisava falar-lhe...

O muro era em frente a sua casa, costumava ficar sentada ali em cima observando o anoitecer. Entre a roda de amigos, estava ele. Ele? Ele que não amava, mas que talvez ainda desejava? Que monstro havia se tornado! Todos começaram a tomar o rumo de casa e, quando ele fez questão de levantar-se ela desceu do muro, pousando a mão em seu ombro de maneira calma.

-Preciso falar contigo. -ele virou-se encarando-a com estranheza e desconfiança.

-Sobre o que? -perguntou de maneira mais brusca do que desejava.

-Pode pelo menos ouvir-me dez minutos? -sua expressão era de súplica, seus olhos pareciam marejados. Um pouco preocupado ele deixou-se seguí-la. Foram até outra parte daquele muro, um pouco mais afastada. Encerrando os passos ela voltou a sentar-se, enquanto ele ficou parado de pé, as mãos nos bolsos demonstrando certa impaciência.

-Comece. -falou o rapaz, sem cerimônias. Ela baixou a cabeça, crispando os lábios e olhando diretamente para o chão. Parecia envergonhada do que estava prestes a fazer.

-Pensei em ti hoje.

-Não deveria, sabe disso. -cortou ele.

-Não precisa me dizer o que eu devo ou não fazer, obrigada. -replicou ela, encarando-o profundamente. Ambos já estavam tomados de certa irritação.

-O que ainda quer comigo? Já não basta o estrago que fez em minha vida, ainda quer insistir nessa história? -ela permaneceu calada, as palavras dele penetrando seus ouvidos como facas afiadas. - Estamos bem agora! Você está com alguém que a ama, eu também! Sabe de uma coisa? Você é louca! Completamente louca! E eu jamais entenderei essa sua mente insana! -a essa altura já falava bastante alto e começou a tomar o caminho de casa, como desejava desde o princípio, os passos apressados demonstrando a irritação que sentia.

A menina continuou parada no mesmo lugar, observando-o se afastar. Já não sabia de mais nada. Se deveria arrepender-se, se deveria esquecê-lo e tocar sua vida. A segunda opção era a mais fácil, fugir sempre é a melhor solução quando não há saída. Talvez ele tivesse razão... Talvez fosse louca, pior, tinha uma única certeza: guardava um monstro dentro de si, e o sentimento que essa certeza trazia nem de longe era algo bom. Ao contrário, era horrível, sentia-se suja, imunda, incapaz de controlar seus desejos insanos e cruéis, desejos tais que as pessoas a sua volta machucavam-se e pagavam por eles. E mesmo sabendo da conseqüência continuava a cometer seus impulsos egoístas. Desceu do muro, os olhos inchados de choro. Abraçou as pernas e permaneceu ali. Algumas horas depois alguém a despertava:

-O que está fazendo aí?

-Vendendo bananas. -respondeu com voz sonolenta, mas em tom de deboche.

-Ora engraçadinha, anda, levante! Não pode ficar aí na rua.

-Tanto faz. -finalmente ergueu o rosto para ver quem era. Seu coração parou por um segundo. Acometeu-lhe um desejo de levantar e abraçá-lo. O fez. Ele permaneceu quieto, retribuindo seu abraço. Ela chorava soluçante em seu ombro.

-Mas o que está havendo com você menina?

-Eu sou um monstro. -respondeu ela num sussurro sombrio. -Eu sou um monstro. Me perdoe, por favor, me perdoe...

-Perdoar por que?

-E-eu... Eu ainda desejo-te... Nem sei se já amei-te algum dia, talvez tenha distorcido o desejo em amor... Me perdoe...

Um silêncio horrível instalou-se ali, porém os dois permaneceram abraçados. Ele não sabia o que dizer e detestava isso. Aquela menina sabia como mexer com seus sentidos! Finalmente suspirou profundamente, afastou-se um pouco a fim de fixar-lhe os olhos e disse em tom calmo.

-Não tenho poder de julgar suas ações, nem seus pensamentos. Isso nem seria certo, visto que todos nós cometemos erros. Mas no meu modo de ver você está passando dos limites menina. Está deixando de lado todas as conseqüências que seus atos podem ter e além de fazer os outros sofrerem, sofre também. Páre com isso! Deixe essa garota inconseqüente, você mesma sabe que não é bom ser assim! Prove que pode ser uma pessoa maravilhosa, deixe de ser egoísta. Eu confio na sua capacidade. -a morena sorriu sem graça, os olhos negros encarando-o. Deu-lhe um novo abraço e começou a andar para casa. Ele a observou com um sorriso no rosto e apressou-se para alcançá-la. Ao vê-lo ela sorriu de forma angelical e ao mesmo tempo travessa. Subiu em cima de algumas pedras que havia no caminho e começou a equilibrar-se, os braços abertos. "É apenas uma garotinha confusa que por vezes torna-se mulher e por vezes volta a ser o ser que é..." pensou ele observando-a com um olhar piedoso. O sol já começava a nascer e ambos andavam lentamente, em alguma direção... Era difícil de entender e ao mesmo tempo simples, claro demais.

Um comentário:

Anônimo disse...

tão pessoal, tão bonito (:
e QUASE todas as falas. todas é muito. :D

:* te amo.

Fernando Pessoa

"Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."